“Doar não é só ajudar”, afirma coordenadora de campanha de generosidade

Há dois anos, Carolina Farias está à frente de uma das mais importantes campanhas no calendário da mobilização para a promoção da generosidade no Brasil: o Dia de Doar. Seria muita responsabilidade para alguém com 27 anos? Nada disso. Bastam alguns minutos de conversa para ver que essa jovem carrega um discurso maduro e um perfil determinado a fazer a diferença em seu País. Nascida e criada em uma região periférica de São Paulo, Carolina conta que seu envolvimento com o Terceiro Setor aconteceu sem que ela soubesse. De repente, percebeu que sua própria ascensão profissional era fruto do seu esforço, aliado ao apoio de organizações sociais. Como forma de retribuir e contribuir com um segmento que tanto a ajudou, hoje ela se dedica integralmente à luta para redefinir a maneira como os brasileiros veem e praticam a solidariedade. Em entrevista à Revista Filantropia, ela conta como isso pode ser possível e suas expectativas para a campanha neste 2023. Rede Filantropia – Como você se tornou a líder do Dia de Doar no Brasil? Carolina Farias – Na verdade, nem sei ao acerto quando eu comecei no Terceiro Setor. De repente, percebi que já estava atuando nele e entendi que era esse o meu caminho. Vivi minha infância em uma situação de pobreza mesmo, mas sempre tive ao meu redor pessoas que olhavam pela minha família. Isso trazia uma pouco de esperança, sabe? Recebi muitas doações, como o meu primeiro computador, meu primeiro celular, os materiais de escola e até carona para chegar a outra cidade e poder estudar. Então, para mim, a doação faz parte da minha existência e permitiu que eu tivesse as mínimas condições para conseguir me desenvolver tanto profissionalmente quanto na minha vida pessoal. Sou o resultado de quanto o movimento e as organizações e sociais podem ser um agente transformador e de redução das desigualdades no Brasil. Consegui bolsa para graduação e pós-graduação para me formar em Comunicação, e um dos meus primeiros empregos na área foi na Fecap (Fundação Escola de Comércio Alvarez Penteado), onde conheci o JP Vergueiro. Na época, ele era diretor-executivo da ABCR e me convidou para cuidar da comunicação do Dia de Doar em 2021]. Passado esse período, eu me coloquei à disposição para trabalhar voluntariamente pelo Dia de Doar e, desde 2022, eu me dedico integralmente a esse projeto. Rede – No lançamento do Dia de Doar, você mencionou que 2023 será um divisor de águas. Por quê? R: Na verdade, essa afirmação tem mais a ver com um recurso que vamos presentear as organizações do que com a promessa de uma maior ou melhor arrecadação. É claro que estou torcendo por isso, mas é difícil prever, neste momento, como será o Dia de Doar 2023. A novidade, para este ano, é que estaremos bem preparados no que diz respeito à comunicação. Desta vez, nosso movimento apresentará às organizações um planejamento de marketing digital completo e gratuito, para que todas possam usar suas redes sociais com qualidade e de modo mais eficiente na busca por doações. E esse material vai servir não apenas para o Dia de Doar, como também para outros períodos do ano. Rede – Como será esse kit para as OSCs? R: Desenvolvemos conteúdos para 30 dias para as organizações usarem em suas redes, com dicas de postagens abordando desde a contagem regressiva para o Dia de Doar até um passo a passo de como elaborar um vídeo sobre as suas atividades internas. Também haverá ebooks e planilhas para elas mostrarem os números dos seus atendimentos, além de ferramentas para contabilizar as metas e os resultados da arrecadação ao longo da campanha. Estamos apostando muito nessa plataforma, de onde será possível baixar as peças de design e os textos para, em seguida, customizar com o nome, a marca e a causa de cada organização. Bem equipadas, elas terão mais chances de engajar as pessoas e chegar até seus públicos de uma maneira mais eficiente. Rede – Como chegaram à conclusão de que comunicação era uma demanda das organizações? R: Ao longo dos anos, vínhamos percebendo que as organizações carecem de profissionais de comunicação qualificados. Em geral, sobra para o captador de recursos a tarefa de cuidar de toda a campanha do Dia de Doar. O problema é que, nas organizações pequenas, que são a maioria no Brasil, o captador de recursos também acumula a gestão administrativa e financeira e acaba não tendo tempo para pensar em uma boa estratégia. Para a construção dessa plataforma, nós ouvimos as dores das organizações e, com as dificuldades identificadas, elaboramos um plano de comunicação profissional para todas elas. Também pegamos algumas recomendações com o próprio Giving Tuesday, o que significa trocar experiência com outros países ligados ao movimento. Rede – Só as ONGs terão direito a baixar esse kit de comunicação? R: Não. Os e-books, tutoriais, roteiros de vídeo e layout das peças estão disponíveis para todos os públicos. Igrejas, condomínios, empresas, fundos filantrópicos, doadores, todos poderão usar nosso material para promover a cultura da doação no Brasil. Uma parte do material foi desenvolvida especificamente para o Dia de Doar. Mas há materiais para outras ocasiões. Sabemos o quanto a doação vinda de pessoas físicas é importante para uma causa, pois não é um dinheiro carimbado, como acontece com o dinheiro vindo dos editais. Queremos ensinar as organizações a impactar todos os seus públicos. Queremos ver pessoas comuns contando umas para as outras nas suas redes sociais, o quanto aquela causa é urgente e precisa do apoio dos seus amigos e seguidores. Rede – Vocês apostam numa ação em massa? R: No fundo, isso sempre foi o objetivo do Dia de Doar. O Giving Tuesday nasceu nos Estados Unidos com o objetivo de criar movimentos de comunicação em massa, equivalentes ao Black Lives Matter e ao Me Too. Por meio de uma hashtag (#MeToo), várias mulheres espalhadas pelo mundo todo começaram a fazer denúncias sobre abusos sexuais que sofreram. Cada narrativa impactava as demais. Essa é a ideia central do Dia de Doar, baseada no livro “O Novo Poder” (O Novo Poder: Como disseminar ideias, engajar pessoas e estar sempre um passo à frente em um mundo hiperconectado, de Jeremy Heimans e Henry Timms. Ed. Intrínscea, 2018). Aliás, o próprio autor foi quem lançou o movimento #GivingTuesday. Queremos provocar essa mesma reação no Brasil, fazendo com que as pessoas se identifiquem como doadoras, entendendo seu espaço na sociedade civil e percebendo o quanto elas podem fazer a diferença no mundo por meio de uma doação consciente, e não simplesmente com uma ação isolada e assistencialista. O desafio é fazer com que aquela pessoa que doa uma marmita quando vê um morador de rua também passe a fazer doações de forma mais sistêmica, a organizações especializadas naquele problema. Rede – É assim que se constrói a famosa “cultura da doação”? R: Exatamente. Precisamos conscientizar o público, além do Terceiro Setor. A sociedade precisa entender seu papel para que o mundo melhore, pois estamos todos no mesmo barco. Mesmo as organizações grandes, que têm uma estrutura consolidada de captação de recursos, precisam se unir para vencer esse desafio. Por mais que os resultados do Dia de Doar não façam muita diferença no seu orçamento, elas podem aproveitar a data para posicionar sua marca em prol da cultura de doação. Com a ajuda delas, as organizações menores vão encontrar doadores com o coração mais aberto na hora que pedirem recursos para os seus projetos. Precisamos trabalhar juntos nessa construção. Rede – Como pedir dinheiro a uma população que sofre com a crise econômica, estressada ao máximo e cheia de problemas pessoais? R: De fato, vivemos em um dos países mais desiguais do mundo, e a maioria da população passa por muitas dificuldades. Mas quando o assunto é doação, esse cenário não pode virar um motivo para as pessoas não se encontrarem neste movimento. É importante desmitificar que a filantropia é coisa para gente rica ou que só devemos fazer doações quando temos dinheiro sobrando. Pense quanto uma organização seria beneficiada se recebesse uma contribuição de R$ 10 por mês, de forma recorrente, de um grande número de pessoas. Hoje, muitas pessoas ainda doam com uma mentalidade assistencialista. Por exemplo: “- Vou doar para essa criança porque ela está vendendo bala no farol”. É claro que, no Brasil da fome, esse tipo de doação é essencial e, em nenhum momento, eu digo que isso tem menos valor. Mas a cultura da doação tem um propósito diferente. Rede – Doar vai além de ajudar alguém. É isso? R: Doar não é só ajudar. É também participar de um processo de construção de um mundo onde fará mais sentido viver. A verdade é que a gente não tem mais condição de viver do jeito que as coisas estão. É hora de a sociedade se conscientizar de que esses pequenos gestos podem melhorar nosso futuro. E não estamos falando só de doações em dinheiro, pois, mesmo sem ter, o brasileiro pode se envolver com uma causa como voluntariado ou até fazendo a reciclagem do seu lixo. Existe uma necessidade urgente de transformação do mundo. Não é sobre simplesmente ajudar o outro. É sobre construir o mundo onde eu possa e queira viver lá na frente. Nesse sentido, o trabalho das organizações sociais é fundamental. Rede – Qual o papel do voluntariado nessa campanha? R: O Dia de Doar incentiva todo tipo de doação, não apenas em dinheiro, mas de itens, de conhecimento e de horas de voluntariado oferecendo seu talento por uma causa. Serve até a doação de atenção, como você parar o seu dia para ouvir um idoso, por exemplo. É você ser gentil com alguém e abrir seus olhos para a vida como ela é. Isso é até um resgate sobre quem somos e para onde queremos ir como humanidade. Sobretudo para uma sociedade ansiosa e cheia de estresse, essas ações até ajudam combater esses problemas. Doar faz bem. Teremos, inclusive, um espaço dentro da plataforma Atados para as organizações que precisam de voluntários na sua campanha do Dia de Doar. Rede – O Brasil se tornou mais solidário com a pandemia? R: A pandemia ajudou não só o Brasil, mas o mundo, a enxergar a necessidade de um pensamento coletivo. Houve um pico muito grande de doações durante a pandemia e, do ponto de vista da conscientização das pessoas, isso foi bem importante. No entanto, depois que acabou a pandemia, esse apoio diminuiu muito. Parece que os problemas se tornaram menos urgentes, o que não é verdade. Houve um saldo positivo nesse movimento, com a aproximação do público jovem nas doações. A última pesquisa Doação Brasil do IDIS (Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social), em 2022, mostrou um maior engajamento dos jovens voluntários, o que extremamente importante para formação de cultura que queremos para o Brasil. Fico feliz que essa geração está mais consciente, e aí eu me coloco nesse espaço, pois também me preocupo com o mundo que queremos. Para nós, doar é algo urgente mesmo. É investir no agora para que a gente consiga viver daqui a alguns anos.
Fotos: Pauta Social

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