Arte cênica utilizada para educar e
despertar novos e grandes talentos



Na arte tudo é possível, pois se trata do belo e do imaginário. Assim, é fácil unir a Paixão de Cristo a fatos que se passam no cotidiano periférico da capital paraense e interior brasileiro



ROBERTO BARBOSA

A arte cênica desperta paixão entre pessoas comuns e atores, seja iniciante, seja profissional. Trata-se da representação ao vivo para o público de uma história no palco, onde atores se vestem de personagens para narrar através da voz e das expressões corporais. No Estado do Pará há diversos grupos de encenação, muitos mantidos por órgãos oficiais, pela iniciativa privada ou, simplesmente, formados para criações de momento, em geral, utilizando gente simples do povo, o que se pode identificar nesta reportagem do JORNAL POPULAR como sendo os chamados “artistas eventuais”. Mas o importante é saber que dessas iniciativas pode surgir um grande artista, a depender da atuação, do envolvimento com o trabalho e das oportunidades que normalmente surgem nessas apresentações. Quais as oportunidades? Ora, aquela que não se pode perder, pode ser a primeira, única e verdadeira chance. O fato de estar no lugar certo e na hora certa.
Em algumas épocas do ano, esses grupos encenam por toda parte da cidade e do interior. São incontáveis as iniciativas oficiais e não oficiais de artes cênicas para apresentações de peças como a Paixão e Morte de Jesus Cristo, um conto de Natal, Casamento na Roça, entre outros inúmeros. Na época do Círio de Nazaré também ocorrem inúmeras encenações com temas voltados para a vida de Nossa Senhora. Mas é na época da Semana Santa que mais se observam esses movimentos, em geral, oportunizando a que jovens conheçam mais a vida de Jesus, se transformem em pessoas melhores, tornem-se artistas ao conhecer a “arte eventual” e também participem de um projeto de catequização na análise sobre a vida do Messias na terra.
Mesmo quem não é religioso se desperta para observar essas iniciativas que estão oportunizando cada vez mais profissionalismo, na busca de realismo para as cenas então apresentadas.
No caso da Paixão e Morte de Jesus, encenada em geral na Semana Santa, já há iniciativas de grupos da periferia atingindo palcos como do Teatro Maria Silvia Nunes, da Estação das Docas. É o caso, por exemplo, do tradicional grupo de jovens da Paróquia Militar Nossa Senhora do Loreto, do bairro do Souza (Capela do Hospital de Aeronáutica de Belém), que já encena os ritos da Semana Santa há mais de dez anos. O jovem Bruno Henrique Souza do Nascimento, de 18 anos, já participa das encenações da vida de Jesus Cristo há cerca de quatro anos. O gosto pela arte surgiu ao lado de seu irmão, Fábio Rodrigo Souza do Nascimento, que hoje não participa mais por já estar trabalhando e ter seguido outros caminhos em sua vida como jovem.
Bruno Henrique é o nosso personagem desta reportagem. O artista eventual.
Ele diz nunca ter se imaginado como um artista. Na verdade, participa da encenação da Paixão de Cristo por influência do irmão e dos jovens amigos que possui. Entretanto, diz já ter feito inúmeros papéis nesses anos que vem encenando a peça “Paixão e Morte de Jesus Cristo”. Bruno já foi soldado, São Pedro, Cirineu e José de Arimateia. “Há casos em que um artista faz dois papéis, do contrário, aparece apenas em alguns momentos e desaparece da peça, pois na encenação da Paixão há personagens do início, do desenvolvimento e do final da peça”, diz.
Neste ano, por exemplo, a Paixão de Cristo, no grupo da Paróquia Militar Nossa Senhora do Loreto, apresentou elementos diferentes, fruto do imaginário do autor em trazer para a nossa realidade a vida de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Paixão de Cristo começa com brega e drogas

Conta Bruno Henrique que, neste ano, as cenas mostram dois jovens bebendo, se drogando e que acabam por começar a discutir. Dessa discussão, eles se armam um contra o outro. O inimigo [o Diabo] está radiante e atiçando para que aconteça o pior. Nessa oportunidade aparece um anjo de Deus que interfere na confusão e os convida a mudarem de vida a partir do que estarão prestes a presenciar, numa oportunidade jamais imaginada. O anjo, então, faz com que percam os sentidos e despertem no ano 33 da era cristã, onde vão assistir a todos os atos que levaram Jesus à Paixão, Morte e Ressurreição.
Segundo Bruno, este primeiro ato da peça já começa seu papel de educação e catequização, na busca de resgatar os jovens das drogas para uma vida sadia e verdadeiramente Cristã. A partir daí, aqueles dois jovens que antes estavam em festas se embebedando e passaram a brigar, vão entrar no verdadeiro clima e, assim, os atos passam a desenvolver as cenas que levaram ao sacrifício de Jesus.
Durante toda a peça, os personagens estão vestidos a contento, menos aqueles dois jovens, que estão com roupas comuns do cotidiano, a observar todos os fatos, sempre do lado do anjo que lhes apresenta todos os fatos da Paixão de Cristo ao vivo, uma oportunidade do imaginário do autor.
“A cada ano que passa nossa peça vai se aperfeiçoando e profissionalizando, pois nós buscamos montar o cenário o mais detalhadamente possível em relação ao fato de Cristo ter sofrido para nos libertar do pecado”, afirma Bruno Henrique, que lembra das inúmeras encenações que acontecem nas igrejas, nas ruas e, agora, também no teatro, envolvendo gente simples do povo, como ele, que tem sido uma vez por ano um ator eventual.
“Nós começamos logo em março a ensaiar. Os ensaios são rígidos, sempre ocorrem à noite por causa do colégio e do trabalho. Às vezes é cansativo, mas vale a pena, porque a gente, depois, começa a se apresentar ao vivo e a cores em diversos pontos”, diz o nosso artista eventual que não sabe se um dia virá a despertar para a arte cênica profissional e, talvez, para outros projetos mais ousados.
Assim como os ensaios começam na Praça São Cristóvão (trevo das avenidas Almirante Barroso e Júlio César), é lá que acontece a primeira grande encenação na noite da Sexta-Feira Santa, utilizando o palco, mas, também, o cenário real do local, pois os artistas fazem a encenação pelas ruas. Neste ano, o espetáculo teve até direito a pré-estreia. Aconteceu no Conjunto Residencial Império Amazônico, no Domingo de Ramos. Na Sexta-Feira da Paixão aconteceu a grande apresentação, que, depois, também se repetiu em um palco de verdade, como lembra Bruno Henrique, o qual seguiu com seus amigos num ônibus especialmente fretado para os levar até à Estação das Docas, onde está o Teatro Maria Silvia Nunes, onde a peça já é encenada pelo segundo ano consecutivo.
Neste ano, Bruno exerceu dois importantes papéis, o de São Pedro, o Príncipe dos Apóstolos, e de José de Arimateia, o homem que, segundo os evangelistas bíblicos, pediu a Pilatos para tirar Jesus da cruz e fazer o sepultamento.
Como ator eventual, Bruno diz estar muito feliz em participar do projeto e garante sua disposição de continuar na peça. “A gente faz amizades e é muito importante participar”. Ele não sabe se um dia terá a oportunidade de vir a se transformar em ator profissional, mas garante que “é um caso a pensar” e que vai “depender de aparecer um olheiro que observando nosso trabalho possa se interessar e nos encaminhar para projetos mais ousados”.


Popularização e elitização do teatro

Há atores completos, aqueles que fazem teatro, televisão, cinema, circo. Há atores que gostam mais deste ou daquela modalidade de arte. Contudo, é na arte cênica que o ator se materializa potencial e verdadeiramente, pois terá de se vestir no seu papel e fazer o que sabe ao vivo, sem os recursos da edição de vídeo verificada no cinema e na televisão, onde tudo pode ser refeito.
No caso do teatro, é claro que acontecem os ensaios, porém, na hora da apresentação ao vivo, nada pode dar errado, como esquecer o script. E, se isso vier eventualmente a acontecer, o ator deve estar preparado para ser mais ator ainda e criar o ambiente adequado para se sair da situação sem que o público que pagou para ver o espetáculo venha a perceber os erros. “Nada de pagação de mico”, diz Bruno Henrique, o qual lembra que também ocorreram alguns casos meio inusitados.
- Na nossa primeira apresentação e na pré-estreia, nós utilizamos vários recursos, pois havia tempo e espaço. Quando chegamos no Teatro Maria Silvia Nunes, várias cenas, eu diria que não foram prejudicadas, mas suplantadas da peça por ausência de elemento cênico (cenário), que, entretanto, não prejudicou o verdadeiro sentido catequético da peça, que foi uma arte muito bonita, - disse o ator, que finalizou informando que na primeira apresentação, ainda havia alguém narrando os fatos bíblicos e fazendo orações, impulsionando aos espectadores a mergulharem na Paixão de Cristo e se colocarem em atitude de respeito e oração.

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