Impureza judicial: 4 casos e um advogado


Jânio Siqueira tem uma série de reportagens documentando sua luta na defesa de clientes envolvidos nos chamados "casos escabrosos"
Foto: Antonio Cícero


ROBERTO BARBOSA
Especial para o jornal Público/Transcrito para o Bip-News

Transformados em romances policiais, alguns casos rumorosos queocorreram na esfera policial no Estado do Pará deixariam de queixocaído até mesmo a “rainha do crime”, como era conhecida a escritorainglesa Agatha Christie. São histórias reais com nuances de magianegra, traição, interesses de governo, política, jogo de vaidadespoliciais e, o que é pior, erros do judiciário. Os casos dos meninosemasculados em Altamira, assassinato do taxista Luís Isaac da Costa Nascimento, execução da freira norte-americana Dorothy Stang e o“massacre de Eldorado dos Carajás”, ainda hoje despertam interesse,pois faltam pontos a serem esclarecidos, bem como, há muita coisaescondida por trás da cortina da Justiça e da Polícia, onde os maisinteressados esperam a passagem do tempo. E, com isso, o esquecimento,a fim de que tudo fique sepultado da forma como está, fazendoprevalecer a impunidade e a injustiça, onde ninguém mais faça osmortos se removerem, pois “os mortos devem sim enterrar seus mortos”.O advogado criminalista Jânio Siqueira atuou na defesa dos principaisprotagonistas destas histórias e se diz perplexo com a forma comoalguns processos foram conduzidos e julgados, contrariando as provasdos autos em função do clamor popular e, principalmente, em função doclamor da mídia.Ao defender seus clientes envolvidos em alguns desses casos, oadvogado ressalta que o clamor popular é importante e exige que osórgãos governamentais se esforcem no sentido de buscar a verdade epunir os acusados na forma da lei. Todavia, ocorreram injustiças,denuncia ele, e quem saiu perdendo foi a sociedade, pois colocou nacadeia quem não merecia, ao passo que tem criminosos à solta,dispostos a arrancar vidas sem dó e sem piedade, certo de podercontinuar agindo acima do bem e do mal por ter se saído bem nascircunstâncias de erros policiais e judiciais, conforme veremos aolongo desta reportagem.Em todo caso, o criminalista lembra que lamenta que o Júri Populartenha perdido muito espaço com a recente Reforma Processual de2008(LEIS n° 11.689 e 11.690, de JUNHO/2008) , que não tem mais amesma elasticidade para examinar provas com calma. Isso – diz ele, -“castrou o Júri”, onde se observa que o adágio popular que afirma “sera pressa inimiga da perfeição”, está atualizadíssimo, “pois não sepode ter pressa quando se trata de questões judiciais que envolvem aliberdade do ser humano.” E diz mais: “Hoje o júri é mecânico, julgapor “atacado”, quando a defesa do cidadão deveria ser ampla eirrestrita, como está previsto na constituição federal. Na prática, adefesa está cada vez mais limitada, intimidada, tolhida por pressãomidiática do ato de julgar”.
Meninos emasculados de Altamira:o mistério está na injustiça
Final da década de 1980, início dos anos 90. O Brasil, como ao longode sua história, em verdadeira convulsão, experimentando uma novaforma de governo e de moeda, buscando fugir da inflação entãogalopante, mas com o Estado do Pará ainda na mídia nacional, apontadopor seus problemas de altos índices de violência no campo. A Polícia éinformada de que um menino sobreviveu a um maníaco que andavaemasculando crianças no município de Altamira, na região Xingu doEstado. A partir daí começa uma série de investigações, onde asociedade é informada que ao menos oito crianças do sexo masculinoforam emasculadas e assassinadas nas matas daquele que é considerado omaior município brasileiro. São identificados como suspeitos,Valentina de Andrade, os médicos Anísio Ferreira e Césio Brandão; oempresário Amailton Madeira Gomes – logo apelidado de “Monstro deAltamira” - entre outros, que são levados para a cadeia, ouvidos nolongo inquérito policial, transformado depois em processo judicial.Todos são submetidos a julgamentos onde, apenas Valentina, conseguiuser absolvida. Os dois médicos foram condenados à pena máxima – dadoque no Brasil uma pessoa só pode ficar presa por até trinta anos. Naverdade, cada um pegou pena de mais de 50 anos de reclusão em regimefechado. “Eu não tenho nenhuma dúvida que os dois médicos, meusclientes, assim como Valentina e o empresário Amailton Gomes sãoinocentes, vítimas do maior erro da história judicial do Estado doPará”, destaca o advogado Jânio Siqueira, para quem o verdadeiroassassino dos meninos é o maranhense Francisco das Chagas, que foidescoberto depois dos julgamentos, confessou os crimes e ainda levou aPolícia, juntamente com o Ministério Público, ao local onde disse terenterrado as vítimas, e cujas ossadas foram ali encontradas,confirmando tudo que dissera.Lembra o criminalista que, em função do aparecimento de Francisco dasChagas, houve recursos pleiteando a anulação dos julgamentos, aberturade novas investigações, onde ele se diz cerceado no seu direito de teracompanhado de perto as investigações. “Só para se ter uma ideia,foram feitas investigações pelas polícias Civil e Federal, cada umapuxando brasa pra sua sardinha, num verdadeiro jogo de interesses evaidades que não levaram a nada, pois o que se viu foi afirmar-se queas ossadas encontradas, apontadas por Francisco como sendo de suasvítimas, seriam de animais. “Uma história estranha, uma versãomirabolante, que nunca me convenceu, e que fez com que pessoasinocentes estejam hoje pagando por crimes que nunca cometeram”, diz oadvogado.Diz ainda Jânio Siqueira, que ele teve de lutar muito para queFrancisco das Chagas fosse ouvido pelas autoridades paraenses. Oadvogado se viu obrigado a se dirigir até a Câmara dos DeputadosFederais em Brasília, onde buscou apoio da Comissão de DireitosHumanos que determinou a reabertura do processo, “...mas eu digo quehouve má vontade indisfarçável da Polícia, assim como do MinistérioPúblico do Pará, em reabrir o caso. Tanto assim que o réu confessovoltou para o seu Estado, o Maranhão, onde está preso por crimesidênticos, porém, é dado como absolvido pela Justiça do Pará, queconsidera suas provas, e sua confissão, como sem consistência”. Eacrescenta: “Para o Judiciário Paraense, pasmem [sic], o Francisco dasChagas nada deve. Que absurdo...!!!” disse com tristeza ocriminalista.Foram dois inquéritos policiais (um da Polícia Civil e outro daPolícia Federal) que não chegaram a lugar algum. Embora a estudiosa em“serial killer” Ilana Casoy, que acompanhou as novas investigações,tenha afirmado não ter dúvidas quanto ao envolvimento único deFrancisco das Chagas naqueles bárbaros crimes. Porém, os dois novosinquéritos foram arquivados a pedido do promotor de Altamira (PA),Edmilson Leray. No dia do julgamento pelo Júri, complementa ocausídico, “pairou acima de tudo a dúvida. O que deixa qualqueradvogado cabisbaixo, pois os réus foram condenados pelo escoreapertado de 4X3. A dúvida, com esse resultado, ficou bem clara”,afirma o criminalista, para quem o caso não está totalmenteesclarecido, e ainda tem muitas perguntas a serem respondidas.

TORTURA

Ele também denuncia que a Polícia do Pará torturou até a morte omendigo Rotílio do Rosário, para que confessasse seu envolvimento.“Ele é um dos mártires desse processo nebuloso, amaldiçoado, quelevou, inclusive, para a sepultura o meu colega, advogado HercílioCarvalho, lá de Altamira, defensor de Amailton, que se apaixonou tantopela causa, pois acreditava piamente na inocência de seu cliente, quedias depois da condenação de Amailton, sofreu um infarto fulminante emorreu”. Diz ainda Jânio: “Eu, inclusive, cheguei a ser processado naJustiça pela Polícia Federal aqui do Pará, porque disse claramente emuma entrevista à televisão, às vésperas do julgamento, que as provas aserem apresentadas pela acusação não eram sérias, era um jogo deaparências, não tinham qualquer consistência, nem idoneidade.Felizmente, o Supremo Tribunal Federal trancou a ação por entender queeu tinha o direito à livre expressão, pois como advogado estava sob aproteção da imunidade judiciária”, lembrou o criminalista.

CASO ISAAC: OFICIAL TRAÍDO ENVOLVE TODA UMA GUARNIÇÃO NA SUA VINGANÇA

Era dezembro de 1992. O motorista de táxi Luís Isaac da CostaNascimento foi preso, torturado num quartel da Polícia Militar nobairro da Cremação e depois levado para as matas do município de SantaIzabel do Pará, onde executado, teve o corpo queimado. Foramindiciados pela Polícia Militar e pela Polícia Civil o capitão EmanuelLopes, na condição de mandante, e co-autores do crime o tenenteLeonardo Gibson Santiago, o soldado Samuel da Assunção Neto, entreoutros militares que foram julgados e depois libertados pela Justiça.Esse caso, lembra Jânio Siqueira, “deu muito o que falar, masrepresentou na minha carreira profissional meu ingresso no STF(Supremo Tribunal Federal). Pela primeira vez usei a palavra natribuna do maior Tribunal do meu País ”. É que, depois de feita toda ainstrução processual, todos os acusados, à exceção do capitão Emanuel,conseguiram o direito de aguardar o julgamento em liberdade. Oadvogado recorreu a todas as instâncias, mas seu cliente foi mantidono cárcere devido ao clamor público.“Há o clamor público, eu entendo perfeitamente isso, mas a lei é clarae a prisão do capitão Emanuel era inconsistente. Nenhum juiz, nenhumdesembargador se arriscava a cumprir a lei com medo de ser execradopela imprensa e pela sociedade. Foi assim que eu recorri ao STF. Oministro Jesus Costa Lima, do S.T.J., hoje já aposentado, negou o meupedido por três vezes. O grande Ministro Sepúlveda Pertence, do STF,foi o relator de mais uma tentativa minha de buscar a liberdade do meucliente. E votou pelo deferimento do habeas corpus, no que foi seguidopela unanimidade dos demais Ministros daquela Corte”.Só assim, o capitão Emanuel foi liberado da prisão até ser julgado emjunho de 2003, quando a defesa conseguiu que a condenação de 19 anosde prisão fosse diminuída para 14 anos, e que hoje já está quase emliberdade, no regime semi-aberto.Segundo o advogado, do jeito como as coisas aconteceram, foi umavitória para a defesa diminuir a pena, conseguir o regime semi-aberto,mas isso deu trabalho e, até hoje, não existe uma confissão quanto aosverdadeiros motivos do crime, apesar de as evidências apontarem paraum caso passional, onde a vítima Luís Isaac teria tido um caso com amulher do oficial da PM. “O capitão EMANUEL sempre negou estaversão enfaticamente, e por isso busquei outra linha de defesa, semprerespeitando sua honra, sua moral e a dignidade da sua família”, dizJânio Siqueira.

RECURSOS ADIAM JULGAMENTO NO CASO DOROTHY STANG

Era fevereiro de 2005. Irmã Dorothy Stang foi executada a bala pelospistoleiros Clodoaldo Batista e Raifran Sales. Segundo relata ovolumoso inquérito policial, o crime fora arquitetado pelosempresários Regivaldo Pereira Galvão, o “Taradão”, e Vitalmiro Bastosde Moura, o “Bida”, sendo intermediário na contratação dos criminosos,Amair Feijoli da Cunha, o “Tato”.Pois bem, Jânio Siqueira é o advogado de “Taradão”, denunciado peloMinistério Público em abril de 2005, mesmo ano do assassinato dafreira norte-americana naturalizada brasileira e radicada no municípiode Anapú, na chamada Terra do Meio, interior do Estado do Pará.Regivaldo Galvão, o “Taradão”, é o único dos acusados que ainda nãofoi julgado em função de vários recursos que tramitam no SuperiorTribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, onde ali, com ovoto favorável do relator, ministro Cezar Peluso, e o “voto minerva”do ministro Sepúlveda Pertence, o criminalista conseguiu que seucliente permaneça em liberdade até vir a ser julgado.De acordo com o advogado, mais uma vez ele se vê trabalhando com umcaso obscuro, que envolve o governo brasileiro, a pressão da IgrejaCatólica, a pressão internacional, a pressão do governo americano(pois até o FBI participou das investigações), e, principalmente, apressão da mídia - dada a repercussão internacional que teve a morteda freira - e pelo fato de o crime ser apontado como encomendado porum cartel diretamente envolvido com a questão fundiária no interior doEstado do Pará, mais precisamente na região de Altamira, na região daTerra do Meio.Siqueira diz ter medo de que “Taradão” já esteja com seu destinoselado no julgamento. “Tenho receio que se repita a mesma coisa quenós vimos no “caso Isaac” e no caso dos “emasculados de Altamira”.Alguém tem de ser condenado, não importa se é inocente ou se é culpadode verdade. Uma resposta tem de ser dada e, assim, os errosjudiciários vão acontecendo, deixando a verdade sempre à margem dalei”.Todavia, o advogado diz não temer o julgamento – que será “um embateentre a comoção pública e a verdade dos fatos”, - mas garante quepretende seja o julgamento feito depois de serem esgotados todos osrecursos de que dispõe a defesa. “Tenho certeza que neste caso de IrmãDorothy Stang, falta racionalidade e sobram paixões. É um embatejurídico, técnico, um julgamento sob pressão política, pressãointernacional, além do lado religioso, onde uma freira idosa foi mortade forma covarde. Eu reconheço tudo isso, mas não a mando de ninguém,e sim por uma ação louca e isolada de dois homens que já estão,inclusive, presos e condenados”, acrescenta.


ELDORADO DOS CARAJÁS: 19 MORTOS E O MASSACRE DE MORTOS VIVOS

Era abril de 1996. Um governador do Estado do Pará, Almir Gabriel,cumpriu seu papel de mandar a Polícia Militar desobstruir uma estrada,a Rodovia PA-150, na altura da Curva do S, em Eldorado dos Carajás, noSul do Pará. Os militares enfrentam negociações tensas. Alguém atiraprimeiro, ocorre uma confusão generalizada, a PM, bem preparada,belicamente falando, “mandou ver”. Ao final, dezenove trabalhadoresrurais sem-terra são mortos. Mais uma vez, suscita uma série dediscussões acerca da questão fundiária no Estado do Pará, com embatessangrentos. Os movimentos sociais se posicionam e exigem que osculpados sejam punidos, incluindo o governador do Estado, ao pontodesse ser ouvido pelas autoridades encarregadas do processo. Era adiscussão política de um lado, as paixões de outro e o jogo deempurra-empurra de todas as partes.“Almir Gabriel mandou liberar a estrada, mas não disse pra mataremninguém”. Sobrou, deste modo, para quem chefiou as operações, ocoronel Mário Colares Pantoja e o major José Maria Pereira deOliveira, este sub-comandante da operação trágica ocorrida em 17 abrilde 1996.Historia o advogado Jânio Siqueira, que defende o major Oliveira, quetodos os acusados foram levados a julgamento e absolvidos, porém,houve recurso do Ministério Público Estadual e o Júri, realizado naUnama, foi anulado. Novo julgamento, todos, à exceção dos doisoficiais, foram absolvidos novamente. O escore de condenação docomandante e do subcomandante foi de 4X3, mais uma vez prevalecendo adúvida.Bom, segundo diz o criminalista, ele conseguiu desclassificar aacusação de homicídio qualificado para homicídio simples contra omajor Oliveira. Os dois comandantes recorreram. O recurso se encontrano Superior Tribunal de Justiça, em Brasília. Os dois estão hoje emliberdade, enquanto são julgados os recursos que pedem a anulação dosjulgamentos ou a reformulação das penas.Em todo o caso, acredita Jânio Siqueira, que houve um fato, as mortesdas dezenove vítimas, porém, num caso desses, complexo e confuso,apontar culpados, é algo muito difícil. Para ele, todos os acusadosdeveriam ter sido absolvidos, e isso de fato aconteceu no primeirojulgamento. Acha que as condenações do coronel Mário Pantoja e doMajor Oliveira foram “políticas”, novamente para que o poder públicopudesse dar uma satisfação à sociedade e aos órgãos e ONGsinternacionais que se movimentaram nesse sentido. Deste modo, finalizaJânio Siqueira, “Infelizmente a Justiça acaba ficando sempre com doispesos e duas medidas, pois os erros judiciários se busca sempreocultar, enquanto os erros dos Juízes se busca sempre explicar. É umapena...!!!

Comentários

Erlon Andrade disse…
bom dia ajude a divulgar:
https://www.facebook.com/pages/C%C3%A9sio-Brand%C3%A3o-e-An%C3%ADsio-Ferreira-Queremos-Justi%C3%A7a/1397002900574219

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