Povos indígenas buscam reconhecimento e respeito junto à sociedade brasileira





Eles querem ter acesso ao mercado de trabalho e o poder de tomar as próprias decisões, porque são capazes e não aceitam interferência na sua cultura

ROBERTO BARBOSA

Representantes de três etnias brasileiras se encontraram na sexta-feira e sábado da semana passada (19 e 20 de março respectivamente), ocasião da realização Oficina de Capacitação Sindical Para a Promoção de Igualdade Em Oportunidades, promovida pelo Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial – Inspir e centrais brasileiras – União Geral dos Trabalhadores, Central Única dos Trabalhadores, Força Sindical -, além do Solidarity Center, a maior central sindical norte-americana e canadense que congrega em média dez milhões de trabalhadores. O evento se realizou no Hotel Regente, onde a primeira mesa debateu sobre “os trabalhadores e a questão indígena”, tendo como expositores representantes do Fórum dos Povos Indígenas, lideranças indígenas do Nordeste Paraense, sindicatos rurais, Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos e Coordenadoria das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB.
A reportagem conversou com os representantes das três etnias e ouviu deles quais os anseios dos povos indígenas que residem na Amazônia Legal que compreende nove Estados do Norte e Nordeste. O primeiro é Cleyton Javaé, oriundo da Ilha do Bananal, no Estado do Tocantins. Ele representa a Coordenadoria das Organizações Indígenas da Amazônia, na condição de membro da diretoria executiva.
Cleyton Javaé disse ver como um avanço o fato de a questão indígena vir a ser discutida em uma oficina na capital paraense que é a principal da região Amazônica. Destacou que a Força Sindical tem suas bandeiras de luta, assim como as demais centrais sindicais envolvidas no evento. Pois bem, assim mesmo, os povos indígenas tem igualmente suas bandeiras de luta. Por isso, eles se organizam e querem fazer parte da executiva de órgãos como a Funai e Funasa, inclusive no setor deliberativo, pois uma das grandes preocupações é que existem inúmeros projetos para favorecer as etnias, porém, tudo não passa de discursos, pois o que se observa são as discriminações de todas as formas.
De acordo com Cleyton Javaé, acontecem muitas discussões sobre a defesa dos povos indígenas, no entanto, não tem nenhum representante indígena participando dessas discussões e, tampouco, dos momentos de grandes decisões, daí estarem transcorrendo inúmeros projetos no Legislativo em todos os seus âmbitos e que não são votados.
Da mesma opinião compartilha Isa Tapuia, oriunda de Santarém, mas que trabalha como funcionária pública lotada na Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos, onde exerce a função de coordenadora de Proteção dos Direitos dos Povos Indígenas. Para ela, os índios estão longe das funções nos órgãos que estão voltados para tratar de seus interesses. Segundo disse, somente em Belém existem em torno de 4,5 mil índios que são anônimos. “Pouca gente sabe que são índios porque já estão totalmente integrados aos costumes do mundo convencional, deixando sua cultura de lado. Porém, aqui, eles tem que provar que são capazes de fazer tudo o que os não-índios fazem, o que é uma discriminação, pois todos são seres humanos iguais, pensantes e com as mesmas capacidades físicas e intelectuais.
Indagados se há muitos índios trabalhando em atividades, digamos assim, convencionais do mundo dito civilizado, ambos concordaram que sim. Entretanto, trabalham apenas nos setores em que não podem tomar decisões, pois estes pertecem a pessoas não-indígenas e aí reside a luta de todos os povos para mudar esta cultura.

MAIOR DIFICULDADE
Valdeci Tembé, que integrou a primeira mesa da oficina no Hotel Regente falou que hoje a maior dificuldade dos povos indígenas é manter a própria identidade e fazer a sociedade compreender que todos são iguais, cada um com sua diversidade, assim como acontece com os negros e afro-descendentes. “A gente quer ter posto na Funai, na Funasa e nas aldeias, afinal, esses órgãos estão aí pra tratar da questão indígena. Então, tem de ser ocupados por povos indígenas”, disse ele.
E Valdeci lembra ainda que a sociedade deveria ter mais aceitação com relação à questão indígena, afinal, o índio não tem mais como viver apenas na sua aldeia, isolado. Ele quer ter acesso a telefone celular, internet, melhores meios de educação, saúde, lazer. Só que isso pode chegar em cada nação indígena, mas depende de muita luta e ainda está longe de vir, de fato, a ser uma realidade.
“O índio sai de seu meio para se educar, se instruir, conhecer o que tem de melhor no mundo, mas, depois, quer voltar para casa, levando para seu povo tudo o que adquiriu”, afirma Cleyton Javaé.
Isa Tapuia lembra que há essa necessidade de buscar o que há no mundo exterior, porque, pelo menos no que se refere a ensino, a situação é dramática. Nas aldeias há precariamente apenas o ensino fundamental de 1ª à 4ª Séries, mas ela pondera que já há caso de professores indígenas ensinando a própria cultura, a própria língua, além da língua portuguesa. “É o Estado que nos obriga a sair do nosso mundo, mas nós temos provocado o governo nesse sentido, observando o meio ambiente, a nossa integridade física”, disse a representante dos povos indígenas na SJDH.

PRECISAM DE REPRESENTANTES

Acerca do trabalho das centrais sindicais, Isa, Cleyton e Valdeci concordam que todas poderão colocar em suas plataformas de trabalho a luta pela aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas que é o mais completo que existe e repousa há anos nos anais do Congresso Nacional. É o mais completo porque foi elaborado pelos próprios índios que conhecem, a fundo, quais as suas necessidades e anseios. Lembram novamente que há outros projetos, mas que não foram elaborados com o acompanhamento de índios. Por isso mesmo, acreditam que esse projeto deles seja o mais difícil de ser aprovado, o que pode acontecer, talvez, na próxima legislatura, caso eles tenham representantes na bancada federal. Entretanto, disse Isa, por enquanto, só se tem conhecimento de pelo menos dois postulantes ao cargo de deputado estadual.
A jornalista Cristina Nascimento, da UGT Pará, que representa a Secretaria Nacional da Diversidade Humana, avalia que neste primeiro momento das discussões fica patente a importância das centrais em investirem nas lutas pela igualdade, respeitando as diferenças humanas. No caso dos povos indígenas, que são consetudinários, isto é, que já habitavam as terras brasileiras antes da colonização, eles possuem esse direito, não podem nem querem estar no mesmo patamar das lutas das comunidades tradicionalmente excluídas. Ou seja, diz Nascimento, “eles querem os direitos de povos indígenas respeitados e por isso, a Secretaria Nacional da Diversidade Humana vai propor à executiva nacional da UGT e temos certeza que será acatada, a luta para aprovação do Estatuto Indígena que está adormecido há mais de vinte anos no Congresso Nacional, como parte da plataforma ugetista a ser apresentada a todos os pré-candidatos à Presidência da República no pleito deste ano”.
Cristina Nascimento informa q ue os pré-candidatos deverão estar reunidos com os ugetistas num encontro a acontecer em junho e que será esta a grande oportunidade de se levar a termo essa proposta ora discutida nessa oficina que acontece em Belém.

POPULAÇÃO INDÍGENA
ESTÁ FICANDO CADA
VEZ MAIS REDUZIDA

Quando os portugueses chegaram ao Brasil havia uma população estimada em seis milhões de índios. Atualmente, esse montante está reduzido a apenas 850 mil pessoas de diversas etnias e línguas por todo o território nacional.
Desse total (850 mil), cerca de 60%, ou seja, 510 mil índios, vive nas terras da região Amazônica. Menos de 1% estão vivendo em grandes capitais, a exemplo de Belém, onde constam haver pelo menos 4 mil e 500 índios que trabalham nas mais diversas atividades, porém, na maioria dos casos, em funções de pouco destaque ou poder que possa influenciar no benefício de suas origens.

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